quinta-feira, 13 de novembro de 2014

INTERPRETAÇÃO E PRODUÇÃO DE UMA CRÔNICA


A arte de ser feliz
Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos, quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém minha alma ficava completamente feliz.


Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira alargava sua copa redonda.  À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada uma mulher, cercada de crianças. E contava história. Eu não a podia ouvir, da altura da janela; e mesmo que ouvisse, não entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as crianças tinham  tal expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão compreensíveis, que eu que não participava do auditório imaginava os assuntos e suas peripécias e me sentia completamente feliz.


Houve um tempo em que a minha janela se abria para uma cidade que parecida feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e, em silêncio ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.


Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos: que sempre parecem personagens de Lope da Vega. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.


Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outras dizem que essas coisas só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.
 



Cecília Meireles

INTERPRETAÇÃO
1- Qual o tema do texto lido e qual a relação desse tema com o título?
2- No texto, o narrador faz referencias a um passado distante e repleto de lembranças. Em que essas lembranças se baseavam?
3- Explique porque o narrador se sentiu feliz ao observar:
¨um grande ovo de louça azul com um pombo em cima num dia límpido¨
¨um barco cheio de flores passando por um canal¨
¨um jasmineiro em flor¨.
4- O narrador abriu a janela em diferentes paisagens. Avistou um chalé, um canal, um terreiro, uma cidade feita de giz, entre outras paisagens. A partir dessa informação podemos concluir que a vida do narrador era estável e sossegada, ou que era cheia de acontecimentos e mudanças? Justifique sua resposta.
5- Após a leitura do texto a que conclusão se pode chegar a respeito da felicidade?




PRODUÇÃO TEXTUAL

Produzir uma crônica cuja temática de reflexão seja sua concepção de felicidade. Para isso, poderão seguir o modelo usado por Cecília Meireles em ¨Arte de ser feliz¨. Ou seja, o narrador pode se colocar em uma janela que se abre para diferentes paisagens, e que o leve a refletir sobre como a felicidade pode estar em pequenas coisas.

Gênero Textual Crônicas


A crônica é o gênero mais confessional do mundo, pois o cronista tira os seus temas do próprio cotidiano e fala de tudo, de política a sentimentos pessoais, aberta ou disfarçadamente, deixando ao leitor o prazer do desvendar. 


As principais características da crônica são :
  • é publicada geralmente em jornais ou revistas;
  • relata de forma artística e pessoal fatos colhidos no noticiário jornalístico e no cotidiano;
  • consiste em um texto curto e leve, que tem por objetivo divertir e/ou fazer refletir criticamente sobre a vida e os comportamentos humanos;
  • pode apresentar elementos básicos da narrativa - fatos, tempo, personagens e lugar - com tempo e espaço não limitados;
  • o narrador pode ser observador ou se constituir em personagem;
  • emprega a variedade informal da língua;
  • pode apresentar discurso direto, indireto e indireto livre.
A crônica é um gênero que tem relação com a ideia de tempo e consiste no registro de fatos do cotidiano em linguagem literária, conotativa.
A origem da palavra crônica é grega, vem de chronos (tempo), é por isso que uma das características desse tipo de texto é o caráter contemporâneo.

A crônica pode receber diferentes classificações:
- a lírica, em que o autor relata com nostalgia e sentimentalismo;

- a humorística, em que o autor faz graça com o cotidiano;
- a crônica-ensaio, em que o cronista, ironicamente, tece uma crítica ao que acontece nas relações sociais e de poder;
- a filosófica, reflexão a partir de um fato ou evento;
- e jornalística, que apresenta aspectos particulares de notícias ou fatos, pode ser policial, esportiva, política etc.

O cronista expõe seu ponto de vista, seus comentários e deduções, suas ironias e interpretações a respeito de fatos (notícias ou dia-a-dia pessoal). Ele não tem, no entanto, por finalidade apenas a informação, mas sua universalização para que as pessoas aprendam alguma coisa com o que é, aparentemente, corriqueiro. A crônica nem sempre apresenta uma narrativa. Como no texto que você irá ler logo abaixo, ela pode comentar, analisar, descrever, sugerir, exemplificar, de maneira leve e curta, o cotidiano. O autor não apenas informa, mas nos faz refletir sobre a Consciência Negra comemorada no dia 20 de Novembro.

Leia a crônica DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA
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